Conhecido como "Canhotinha de Ouro", Gérson de Oliveira Nunes, o Gérson, nascido em Niterói (RJ), no dia 11/01/1941, era um meio-campista com grande senso de organização de jogo, além de ser um jogador que era capaz de efetuar lançamentos colocando a bola no peito do atacante a 40 m de distância. Está entre os maiores craques da história do futebol brasileiro e mundial.
Defendeu Flamengo, Botafogo, São Paulo e Fluminense, clube do coração, onde encerrou carreira.
Era um jogador muito inteligente, o que lhe dava a condição de comandar não só o meio-campo, mas toda a equipe. Um grande líder, conquistando como craque do São Paulo entre 1970/71, 2 títulos paulistas, o primeiro acabando com um jejum da equipe de 13 anos sem títulos. Tanto sabia dar os lançamentos já ditos, quanto também um chutão para o lado, quando necessário, ou ainda atrasar uma bola para o goleiro após várias fintas na área. Um pouco antes da Copa de 1970, ainda haviam pessoas querendo ver Rivellino ou Ademir da Guia na posição que foi dele. Venceu 4 Campeonatos Cariocas (1 pelo Flamengo, 2 pelo Botafogo e 1 pelo Fluminense), 3 Torneios Rio-São Paulo (1 pelo Flamengo e 2 pelo Botafogo), 1 Campeonato Brasileiro (Taça Brasil, pelo Botafogo) e 2 Campeonatos Paulistas, além da Copa de 1970, no México, pela Seleção Brasileira, tendo jogado ainda a Copa de 1966, na Inglaterra.
GÉRSON, O "CANHOTINHA DE OURO"
Rafael Sardenberg: Você começou a carreira no Flamengo, clube mais popular do Brasil. Como era a emoção de jogar para aquela torcida?
Gérson: Bom, eu não comecei no Flamengo, eu comecei aqui no Canto do Rio, aqui em Niterói. E com 17 anos é que eu fui para o Flamengo. A emoção é igual em tudo quanto é lugar, embora a torcida do Flamengo, o que eles dizem, seja a maior do Brasil, mas eu joguei em times também, outros times, no Botafogo, no São Paulo e no Fluminense que também tem grandes torcidas. A emoção é indescritível, é pura emoção.
RS: Como você conseguia fazer a sua jogada mais característica, que eram os lançamentos capazes de colocar a bola no peito de um atacante a quarenta metros de distância?
G: Bom, eu treinava prá fazer isso. Eu, depois do treinamento, ficava um tempo (2, 3 horas). Eu botava uma baliza de salto na meia-lua de uma grande área, ficava na intermediária do outro lado e tinha que meter a bola por dentro. Não foi isso que aconteceu, mas eu buscava uma perfeição maior. E no jogo, acontecia, ali é uma barreira, o jogador em movimento, mexe para um lado, mexe para o outro, não fazia muita diferença, mas a maioria das vezes eu acertava. Isso me facilitava muito, porque eu não precisava correr tanto e às vezes eu colocava, numa fração de segundo, um companheiro mais próximo do gol, do que fazer um outro tipo de jogada.
RS: Você é um tricolor fanático. Quando encarava o Fluminense como adversário, como se sentia?
G: Eu encarava como profissional. Embora gostasse do Fluminense, mas eu encerrei minha carreira no Fluminense e não era para ter encerrado lá, era para ter encerrado no Botafogo. Eu saí do Botafogo para o São Paulo e, dois anos e onze meses depois, o Botafogo foi lá me buscar, mas não acertaram, o Fluminense foi lá, acertou e foi uma coincidência eu terminar a carreira no time de coração. E jogar contra ele, o lado profissional é que mandava.
RS: Você passou para a história também como um grande cobrador de faltas. Você treinava muito para isso?
G: Também treinava prá isso. Eu acho que o futebol é um negócio muito complicado, é simples para quem sabe, complicado para quem não sabe. Agora, você precisa aperfeiçoar. Isso é um dom, certo?, e você vai aperfeiçoar o que você sabe, com treinamento. Então, você tem que treinar para fazer a coisa que você sabe bem, certo? E isso era o que eu fazia.
RS: Você foi bicampeão paulista pelo São Paulo, entre 1970 e 1971. Como foi ser o principal jogador de um elenco que deu ao São Paulo títulos depois de longos anos sem conquistas?
G: Quando eu cheguei ao São Paulo... quer dizer, quando nós chegamos, porque o São Paulo foi montado de novo, há 13 anos não ganhava um título. Então, o São Paulo me contratou, contratou o Edson (Cegonha, que era jogador de meio-campo do Corinthians), contratou o Forlan, lateral-direito, contratou o Toninho Guerreiro, do Santos e trouxe o Paulo, ponta-direita, do juvenil e o Gilberto, que depois foi pro Santos, lateral-esquerdo, também da base, no primeiro ano. E aí fomos campeões. E no segundo ano, trouxe o Pedro Rocha (meia-atacante uruguaio). Quer dizer, então, precisou de várias contratações, reformulação quase total. E de treinadores também. Zezé Moreyra e o Brandão foram os dois treinadores campeões.
RS: Você é até hoje um dos maiores ídolos da história do Botafogo. Como você se sente com o fato de ter conseguido manter essa condição durante tanto tempo?
G: Talvez pelo bicampeonato e pelo time que nós tínhamos no Botafogo. Nós tínhamos seis jogadores da Seleção Brasileira e fomos bicampeões também, o Botafogo não era campeão há muito tempo. Fomos bicampeões da Taça Guanabara e do Campeonato Carioca.
RS: Partindo do fato que você defendeu muitos clubes (Flamengo, Botafogo, São Paulo, Fluminense e Seleção Brasileira), qual o mais habilidoso jogador que jogou ao seu lado, Gérson?
G: Ah, tem muitos jogadores. Nesses clubes todos, Seleção, muito complicado. A maioria com quem eu joguei, a maioria jogava bem. Eu tive sorte inclusive de pegar grandes atacantes e que me facilitavam o trabalho aqui de meio-campo. Essa consagração toda vinha graças a esses atacantes, que me facilitavam o trabalho. Porque eu posso deixar alguém de fora, aí é complicado.
RS: Você jogou em outra época. Qual a principal diferença entre o futebol de hoje e o do seu tempo?
G: É o preparo físico, porque tecnicamente não é. A minha geração tinha mais jogadores técnicos e a que antecedeu a minha, mais jogadores técnicos do que físicos, porque naquela época, o condicionamento físico, a tecnologia, não tinha alcançado o que alcançou hoje. A diferença é essa, é você pegar aqueles jogadores do passado tecnicamente falando com o preparo físico de hoje. Esses de hoje não iam levar a mala de material nossa.
RS: Você, após o seu final de carreira no futebol de campo profissional, jogava peladas às vezes na praia de Icaraí. O futebol de areia é o que mais exige preparo físico?
G: É. Porque eu, quando era profissional, jogava também na areia umas peladas, logo no início de carreira, depois não. Mas exige muito, porque areia "puxa" demais. É totalmente diferente, mas quem está acostumado não, machuca naturalmente, mas sabe onde pisa e como se conduzir. Agora, quando joga futebol profissional, que você está habituado ao profissionalismo, chuteira, essa coisa toda, que você volta pro campo de areia, é meio complicado, é meio arriscado, você pode ter uma contusão séria.
RS: No ano de 2006, morreu Telê Santana, grande ex-jogador (Fluminense) e tido por muitos como o melhor técnico da história do futebol brasileiro. O que você diria sobre Telê Santana?
G: Foi o mestre, foi um grande jogador, grande companheiro também, que eu joguei com ele, tive o prazer de jogar com ele. Um mestre na maneira de colocar um time, tendo ganho muitos títulos no começo da década de noventa com o São Paulo.
RS: Falemos agora de Ronaldinho Gaúcho. É um dos melhores jogadores que você já viu?
G: É um dos melhores. Ele é muito bom jogador: ele é inteligente, ele é rápido, é meio desconcertante com essas invenções desses dribles todos, isso é, não é comparando nada, mas o Garrincha fazia isso, inventava uns negócios lá na hora que você não sabia como fazer, o Ronaldinho tá indo pelo mesmo caminho.
RS: O que levou ao grande problema do futebol no que diz respeito aos grandes clubes brasileiros, que cada dia perdem mais cedo seus melhores atletas para o Velho Mundo (notadamente para a Itália e para a Espanha)?
G: Primeiro, administração. Mal administrados, com vários problemas de justiça, essas coisas todas que a gente tá vendo aí, essas leis que existem aqui no Brasil, que só favorecem aos empresários... porque tem empresário e empresário, tem o empresário sério e tem o empresário que pega o garoto, vai lá, vende jovem, dá de qualquer jeito, isso não é empresário, isso é um picareta qualquer que tem aí. Tem o empresário sério, tá certo? Essas leis todas que amparam isso, então, um menino hoje com 12, 13, 15 anos, ele tá indo embora, basta o pai assinar um documento, tá certo?, e ele vai embora. Ou então, quando a lei proíbe, tá certo?, eles dão emprego para o pai por lá. Aí, o pai pega o filho e leva. E aí? Não tem como você coibir. Agora, se tivesse aqui uma grande organização e essa organização dos clubes tivesse credibilidade, os empresários bancariam isso, e aí teria verba prá não deixar esses jogadores saírem, esses garotos saírem. Então, você vê que o meio-termo nosso saiu todo, ou os que estão começando, 8, 9, 10, 11 anos ou os velhos que estão voltando, e esse meio-termo, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, está todo fora, e isso é complicado para o jovem que vem chegando, porque ele não tem quem admirar, ele só vê os grandes ídolos nossos pela TV, não é como as gerações passadas, que você jogava com seus ídolos, você conversava com eles, você treinava com eles, como eu treinei com Didi, vi o Jair da Rosa Pinto jogar, vi o Zizinho jogar, você conversava com eles, você tinha como pegar alguma coisa deles, hoje você só vê pela TV, porque tão todos na Europa. Esse é que é o grande problema do futebol brasileiro. E com isso cai tremendamente o nível técnico aqui. Por isso é que nós temos um jogador só na Seleção Brasileira, nosso, que é o Ceni, porque o Ricardinho, não sei se o Ricardinho ainda é nosso, não era. Agora, tá no Corinthians, se não me engano emprestado ao Corinthians. Então, nós não temos. Antigamente, nós tínhamos quantos? Cinco, seis jogadores, só o Botafogo dava isso. Então, esse é o grande problema do futebol brasileiro. Organização, credibilidade e vergonha na cara. Isso é que falta ao nosso futebol.
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